Nov 2, 2010

Juízos, condenas, e auto-censuras

Nas últimas duas semanas alguns acontecimentos no panorama social e político espanhol demonstraram o estado crítico em que nos encontramos. Pode evidenciar-se, e verificar-se, como a “engenharia social” funciona com alguns dos casos que ocuparam, infelizmente, os primeiros lugares de controvérsia. Na verdade, os líderes da engenheria erigem-se juízes por gozarem da palavra em público, e condenam um conduta ou acto moralmente de acordo com valores igualitaristas. Até ai, nao é tao mau. O pior é que o seu juízo está baseado na sua própria mentira (i.e. falar dos "focinhos" de uma senhora é vexatório para o sexo feminino; . O seu engano é, ademais, intencional. A sua mentira é transformada em norma, valor -- um valor que muda segundo as conveniências. A política fica assim à sua medida, e quem não estiver no seu barco, quem não alinhe nesse valor artificial, está no lado dos proscritos, raros, bárbaros, e condenados: os poucos que não acreditamos nesse a mentira. Essa mesma norma faz que cada um tenha que ter uma extrema atenção, tendência a auto-censurar-se e censurar ao seu próximo, se isso serve para manter-se no barco.
A seguir, alguns exemplos de como, através de valores tão apelativos quanto falaciosos, se usa uma mentira para promover a vigilância e a censura, promovida pelo medo do "politicamente incorrecto" e por um código moral à medida das circunstâncias de cada momento.
1st Round

Quando um político do PP comenta sobre os “focinhos” de uma nova ministra, está a ser lerdo. Mas isso é outra coisa. Os ataques dos socialistas para defender-se das palavras do tal político foram tao bem organizados como exagerados e perigosos. O ambiente político, já irrespirável, piorou com a consideração igualitarista daqueles infortunados comentários por parte dos políticos socialistas. Pedir a demissão de um cargo, e acusar a alguem de obsceno e machista, de ter pouca consideração ao sexo feminino, por ter aludido – embora pejorativamente – aos “focinhos” de uma senhora, é muito estúpido. Como Juan Manuel de Prada muito oportunamente assinala, é como se uma mulher que goza com a careca de um senhor é acusada de feminista. Absurdo, não é? O pior e mais disparatado, tendo em conta a situação em que Espanha se encontra, é a intensidade na reacção ultra-defensiva e ultra-exagerada dos líderes socialistas, o tempo dedicado a esta empresa para-política. O mais perverso foi centrar esses ataques – para eles, contra-ataques – num plano ideológico. Centraram o debate desde uma posição feminista radical e absurda para contestar, não a uma repressão – que é o lógico motivo de emancipação feminina, – mas sim a uma simples falta de educação. A mensagem lançada foi obviamente que a direita era anti-feminina, anti-feminista, machista, discriminatória, antiga, fascista … Como foi cá comentado com ironia, o Governo dispersou as Tropas e convocou um Estado de Sítio, porque, o lerdo do presidente da Cámara de Valladolid gozou com os “focinhos” da senhora Pajín. Lá atrás ficou o comentário do Bono socialista “Esperanza Aguirre dá beijos de dia e mordem a noite”.

2nd Round

Sánchez Dragó, conhecido e notório escritor espanhol, personalidade peculiar para os que, como eu, não o conhecem pela sua obra, foi protagonista esta semana por terem transcendido umas frases da sua última obra literária Dios los cria... y ellos hablan de sexo, drogas, España, corrupción. Aparentemente, numa das páginas do livro descreve-se um encontro entre o escritor e umas miúdas no Japão. O autor fala neste tom: “...con unas lolitas de esas -ahora hay muchas- que visten como zorritas, con los labios pintados, carmín, rimel, tacones, minifalda...". Os media chamam também a atenção a este outro comentário: "Las muy putas se pusieron a turnarse", embora totalmente isolado de contexto, como veremos. Ante estas frases tao controversas, os meios mais progressistas não duvidaram em comunicar que “Sánchez Dragó reconoce en su último libro haberse acostado con dos niñas de 13 años” (El País, 26/10/2010). Muitos editoriais e tribunas de opinião condenaram e decapitaram ao escritor, qualificando-o de misógino, abusador, pederasta (acusações gravíssimas quando se julga literatura por quatro frases soltas). O livro, ensaio ou novela, não foi certamente lido pela maioria de jornalistas e comentadores que executaram o seu veredicto de censura. A ministra de Cultura reprovou o escritor, e lamentou que o livro não fosse censurado. Disse que, “las obligaciones y valores de un escritor no son distintas de las de cualquier otro miembro de la sociedad. El oficio de literato no es un eximente para quienes, con sus palabras, por muy hábilmente que estén ordenadas, ofenden, desprecian, se saltan las reglas de convivencia y pisotean, peligrosamente, valores como la igualdad o la no discriminación”. Afirmou ademais que, de ter havido mais tempo, teriam censurado o livro. Estes comentários são muito alarmantes. Será que estes valores da igualdade e da não discriminação incluem o direito a vida que o seu governo derogou, a liberdade religiosa e o anticlericalismo que esta predica, o respeito a liberdade de expressão e de consciência que estes ameaçam? Será que estes valores não lhes impedem pactar com radicais, com independentistas e delinquentes? Além da tergiversação e manipulação de umas mentiras, ao ponto de convertê-las em verdades, o mais dramático é a disposição estatal de auto-conceder-se o papel de Grande Hermano; disposto a vigilar tudo o que dizemos e o que opinamos; corrigir a nossa forma de exprimir-nos, tanto na esfera privada quanto na pública; assim como modelar o nosso vocabulário e standards de acordo com os seus valores tao politicamente correctos como fanaticamente igualitaristas. Concorde-se ou não, partilhe-se ou não, a forma de expressar-se do escritor Sánchez Dragó, o escritor, na sua obra literária, pode falar das lindas e malandras miúdas japonesas. Se tivesse abusado de alguém, seria um tribunal e não a censura nem o ministério de Cultura que teria arranjado o assunto. Ora bem, tudo este escândalo é ainda mais indecoroso – a falta do famoso livro em questão – depois de ler um fragmento de um magnífico artigo de Gabriel Albiac, onde diz isto: Lo de Dragó es bastante más alarmante. Ignoro cuál fue el primer medio de prensa que aseguró, escandalizado, que el escritor confesaba un explícito delito de abuso de menor en su libro de conversaciones con Boadella. Sí sé que casi todos los demás medios dieron por buena la información y se limitaron a valorar, positiva o negativamente, el «dato». Sí sé que yo tengo ese libro de la editorial Áltera aquí delante. Páginas 164-165. Que relatan «una partida de ping-pong» en la cual dos adolescentes niponas le toman guasonamente el pelo a un guiri con ganas y lo dejan en estado de calentón inconsumado. Hasta le dan un número de teléfono falso para que contacte con ellas al día siguiente. El guiri sabe que ha hecho el ridículo. Y a ese autoburlesco avatar se reduce la aventura. ¿Era tan difícil constatar la falsificación, leyendo esa página y media? Pues debía serlo, porque nadie lo hizo. O grande filósosfo Albiac, constata que a maquinaria progressista, sedenta de culpados, não hesitou em someter a juízo moral a liberdade de expressão. Obviamente, esta liberdade não deve entrar em conflito com a liberdade do próximo. Discriminar ou insultar com base ao sexo, a religião, a raça … é uma coisa. Outra coisa bem diferente é reduzir qualquer conversa, qualquer vulgar comentário, a uma falta discriminatória, ou a um abuso, até modelar o nosso pensamento a um standard “políticamente” correcto, e que não incomode ao Grande Hermano.


….TO BE CONTINUED O famoso livro

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